Anticítera Schwarzbrunn
Essa edição de Mazeppa é um presente para nós, leitores de Byron no Brasil. Não apenas pela raridade da tradução do Barão de Paranapiacaba, há praticamente um século fora de circulação, isto é, caso tenha sido de ampla circulação um dia, o que não parece.
Mas esta ainda traz o Fragmento de um conto em prosa, o mesmo que saiu na primeira edição original de Mazeppa, retirado das edições posteriores, nunca tendo sido publicados conjuntamente em língua portuguesa.
Foram publicadas outras traduções destes textos separados, todavia. Do Fragmento , sabe-se de ao menos uma, de 2012; de Mazeppa, fora a tradução do Barão, outras duas foram certamente publicadas (por mais que Pires de Almeida possa dizer ter lido outras traduções).
Assim, durante o século XIX, três traduções completas desse poema narrativo estavam em circulação, ainda que em circulação reduzida, como poderiam ser os manuscritos do Barão, tendo em conta que suas traduções foram feitas em seus tempos de juventude na Faculdade de Direito de São Paulo, muito antes de serem publicadas na primeira década do século XX, quando, com o fim do Império, seu título de Barão parecia uma relíquia, e viu-se não incluído entre os acadêmicos da recém-fundada Academia Brasileira de Letras.
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Byron começou Mazeppa em 2 de abril de 1817, terminando-o em 26 de setembro de 1818, longo tempo para escrever um poema relativamente curto. O poeta interrompeu-o para compor Beppo e Don Juan, cujo primeiro Canto foi começado em 3 de julho de 1818 e concluído em 6 de setembro do mesmo ano.
Após Mary Shelley passar a limpo os manuscritos, Mazeppa foi publicado em 28 de junho de 1819, juntamente com Ode a Veneza, e com Augustus Darvell, um Fragmento, em prosa, pela primeira vez publicados juntos em língua portuguesa, como dito.
Mazeppa, apesar das três traduções no século XIX, a do Barão; de Carolina von Koseritz, de 1885; e de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, de 1853, que podem ter sido feitas levando em conta a brevidade do poema, e sua relativa facilidade de compreensão, sem contar o apoio de traduções francesas, não pode ser considerada uma obra bastante conhecida de Byron no Brasil. Talvez as traduções não tenham circulado o suficiente, ou o enredo, passado entre Ucrânia e Rússia, não tenha cativado os leitores românticos do século XIX no país.
A história teve como fonte o relato de Voltaire. Aqui ficam as palavras traduzidas pelo próprio Barão de Paranapiacaba:
Desempenhava, então, esse cargo, um cavaleiro polaco, chamado Mazeppa, nascido no Palatinado de Podalia. Alistara-se pajem, aluno de João Casimiro, em cuja corte aprendera noções de literatura. Reveladas as relações amorosas, que travara com "a mulher de um fidalgo de Varsóvia , foi, por ordem deste, amarrado, em completa nudez, ao dorso de um cavalo bravo, que impeliram, solto, à discrição. O animal, oriundo da Ucrânia, disparou direito àquela região, onde chegou, conduzindo Mazeppa, semimorto de fadiga e fome. Socorrido por alguns camponeses, ficou Mazeppa residindo entre os cossacos, por longo tempo, dando provas de grande valor em algumas excursões contra os Tártaros.
Em virtude de sua instrução literária, foi altamente considerado pelos Cossacos, e, a tal ponto avultaram seus créditos, que o Czar o nomeou príncipe da Ucrânia. (Voltaire, História de Carlos XII, pag. 196).
No que concerne à tradução do poema feita pelo Barão, podemos elencar pontos positivos e negativos, como em tudo o mais. A métrica em dodecassílabos, a estrutura de estrofes em quadras, as rimas intercaladas, e a quantidade de versos, nada disso confere com o original, em tetrâmetro iâmbico, versos bem mais curtos, sem divisões de estrofes, e rimas em parelha. Já no conteúdo, alguns versos foram cortados, algumas imagens também, porém nada que interfira na compreensão geral do texto, e essa é a virtude da tradução, que é fluente e segue grande parte do conteúdo, ainda que tenha sido baseada em uma tradução francesa.
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Augustus Darvell, Fragmento de História de Fantasma, publicado na primeira edição original, foi logo criticado pelo autor, como outros de seus trabalhos O Giaour, As Azuis, e Visão do Julgamento (os dois últimos sem tradução).
Foi composto em junho de 1816, na famosa competição de contos de terror sugerida por Byron, e logo abandonada por ele, como seu Fragmento revela na Villa Diodati, na Suíça, junto dos Shelleys, quando nasceram para a literatura os mitos de Frankenstein, por Mary Shelley, e do Vampiro, por John Polidori. Poetas, Byron e Shelley logo abandonaram sua escrita em prosa de conto de terror, voltando-se à poesia; enquanto os iniciantes Mary Shelley e Polidori investiram a fundo em suas obras.
Parece ter sido intenção de John Murray, o editor de Byron, publicar este Fragmento junto com Mazeppa, e não de Byron.
Como toda obra de Byron, há sempre algum elemento mais ou menos evidente que seja autobiográfico. No caso deste Fragmento, trouxe mágoa a Hobhouse, o grande amigo do poeta, que rememorara trechos literalmente gravados em seu diário durante a viagem de ambos por Éfeso, quase uma década antes. Neste caso, porém, o narrador/Hobhouse tem sua amizade totalmente exposta por Byron/Darvell, que, envolto em mistérios e ideias estranhas, sugere ser tal viagem o fim de sua jornada.
O que aconteceria depois, quais mistérios de Elêusis poderiam ter sido revelados ao longo da narrativa, e quem seria Darvell de fato, vampiro, fantasma? nunca saberemos e faz falta uma obra literária em prosa de Byron, para não falar de seu diário Vida e Aventuras, queimado por seus amigos; mas aqui fica uma prévia do quão interessante poderia ter sido caso fosse continuado.
Lucas Zaparolli de Agustini, outubro de 2023.
60 páginas
16X23 cm