O CORSÁRIO
Ao Doutor Alfredo Ellis
A minha versão do Giaur em versos portugueses foi o imã, que atraiu para a minha a vossa alma.
A entusiástica admiração, ou antes, o fervoroso culto a Lord Byron, sentimento, que herdastes de vosso venerando pai, deu ocasião à vossa forte simpatia àquele, que julgais, entre nós, o mais fiel interprete do bardo britânico; conceito, aliás hiperbólico, que muito me lisonjeia.
A figura do cantor de Childe Harold paira entre nós, qual um medioximo, a ligar-nos em laços fraternais.
A Byron, enlevo de tantas horas de minha vida, consagradas a estudar-lhe os primores, — que durarão enquanto a humanidade for sensível ao belo e ao sublime —; a Byron, que no martírio em prol da liberdade de um povo depurou o que tinha de humano e hoje se dessedenta nas fontes do ideal, onde bebeu a inspiração de suas alegrias a Thyrza, — devo o júbilo da predileção, com que me honrais.
Quando, no ocaso da vida, a morte e os desenganos têm rareado as fileiras dos amigos; — quando fugimos de pôr em prova os que nos restam — com receio de novas e dolorosas decepções —, é motivo de nobre orgulho, conquistar pela homogeneidade da vocação literária um coração, que é urna puríssima dos mais excelsos dotes morais e cuja piedade filial lhe tem valido as predileções de Deus.
Disse alguém que Orestes e Pílades atravessaram os séculos como representantes da amizade, porque morreram moços.
O autor de tal juízo não o formulara, Sr. Dr. Ellis, se conhecesse qual em vossa alma a compreensão daquele nobre sentimento. Se fosseis Pílades e chegásseis com Orestes à idade, em que domina o egoísmo, manifestando-se na luta de indômitas paixões, supriríeis com a vossa generosa dedicação os desfalecimentos, que a Orestes, porventura, sobreviessem, derramando sobre o vulto de vosso companheiro tanto fulgor, que apagaria as sombras ao quadro simbólico.
Vossa desinteressada e espontânea amizade é um raio de luz e de conforto no pálido crepúsculo de minha vida.
Aceitai, pois, como testemunho de apreço, ligado a tantas provas de afeto, a oferta desta versão de O Corsário – poema que aprecias no original e cujos mais belos trechos estou habituado a admirar, vibrados pelo timbre da voz sonora, que vos distingue.
Barão de Paranapiacaba.
Rio, 30 de Outubro de 1905.
